quinta-feira, 7 de maio de 2009

A DURA QUE FOI DITA, BRANDA

Por Thaís Sabino
O editorial “Limites a Chávez”, do jornal Folha de S. Paulo, no dia 17 de fevereiro gerou uma série de críticas. Feito um resgate infeliz das palavras do militar chileno Augusto Pinochet, o texto usou o termo “ditabranda” para se referir ao regime militar brasileiro.
Desde a publicação, o jornal recebeu dezenas de cartas sobre o assunto, foi alvo de críticas em blogs e comunidades do Orkut e, ainda, o editorial foi assunto de uma entrevista da socióloga Maria Victória Benevides à revista Carta Capital. Na matéria ela questiona a posição do jornal pelo uso do termo e crítica o tratamento da Folha com os que se manifestaram contra a expressão.
A nota da redação do jornal em reposta a uma das cartas, publicada no dia 20 de fevereiro, serviu para aumentar ainda mais a tensão. Abaixo do texto do professor Fábio Konder Comparato que dizia que o autor e diretor do jornal “deveriam ser condenados a ficar de joelhos em praça pública e pedir perdão ao povo”, a nota julgava como cínica e mentirosa a indignação do professor e da socióloga Maria Victória Benevides.
Em entrevista, Comparato diz que considera a defesa do termo “ditabranda” pelo jornal um “tiro no pé”. “Uma história que os Frias queriam manter guardada, agora veio à tona”, explica. A afirmação se refere à suposta ligação do jornal com o regime militar e colaboração com veículos para o transporte dos presos políticos. Ele lembra do editorial publicado em 1971, que declarava apoio do jornal à ditadura:
“... um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular, está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social - realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, ...”, publicado dia 22 de setembro de 1971.
Comparato era assinante há 40 anos da Folha de S. Paulo, “Agora não assino mais nada”, conta a decisão tomada após ser insultado pelo jornal. Esse episódio ainda gerou um manifesto de repúdio à maneira como a Folha se refere à Maria Victória Benevides e Fábio Konder Comparato, assinado, até então, por sete mil pessoas.
Dias depois, a Folha publicou uma coluna do Fernando de Barros e Silva e uma do Marcos Nobre recriminando o editorial. Ao ser questionado sobre a intenção de amenizar as críticas com as duas publicações, o Ombudsman da Folha Carlos Eduardo Lins da Silva diz que não pode responder pelo jornal, nem sobre suas intenções. “Eu não trabalho na redação e meus contatos com ela são mínimos”, explica.
Em relação ao termo “ditabranda”, “Como eu ocupo a posição de Ombudsman, não posso me pronunciar publicamente”, afirma Carlos Eduardo Lins, mas confessa que a resposta da redação a dois leitores foi inconveniente.
Em protesto à falta de espaço que a mídia ofereceu para o assunto, Eduardo Guimarães, presidente do Movimento dos Sem Mídia, propôs uma manifestação em frente ao prédio da Folha, no sábado, 7 de março.
“Até agora a voz que tem permanecido é dos defensores da ditadura, os ex-presos que sabem o que aconteceu não tem chance nos jornais, por isso vamos lá na porta falar por eles”, declara o presidente.
O movimento surgiu em outubro de 2007. Segundo Eduardo, ele criou o Movimento dos Sem Mídia, pois sente que falta a voz da população na grande imprensa. “Como os sem terra, somos os sem mídia”, explica.
Criador, também, do blog Cidadania, apesar de ser representante comercial, Eduardo considera seu trabalho na comunicação uma obrigação com a sociedade. E foi lá que ele sugeriu a idéia da manifestação, que logo ganhou adeptos. “Dizer que a ditadura foi branda é um crime”, afirma.
Manifestação
A manifestação de 7 de março reuniu aproximadamente 300 pessoas em frente ao prédio do jornal Folha de S. Paulo. Estavam presentes ex-presos políticos, sindicatos, membros da Universidade de São Paulo (USP) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), e pessoas indignadas com a atitude da Folha.
Os banners com fotos dos assassinados pelo regime militar e placas reivindicando o pedido de desculpas da Folha chocavam os passantes do local. A manifestação foi marcada por relatos cheios de emoção.
Ivan Seixas, ex-preso político, declarou que a Folha de S. Paulo colocou todo o seu jornal à disposição do DOI-CODI, “A Folha de S. Paulo ofereceu carros para transportar os presos”. Ele ainda afirmou que o Otavio Frias Filho quer trazer de volta a ditadura, porém, desta vez, com a Folha de S. Paulo no controle.
“Para nós que tivemos nossas companheiras estupradas, nossos amigos assassinados, dizer que foi uma ‘ditabranda’ é inaceitável”, protesta.O representante da Intersindical dos Trabalhadores, Toshio Kawamura, fez um homenagem a todos os seus amigos que morreram por conta do regime militar. Ao chamar o nome dos seus companheiros, Toshio se emocionou e convidou outros presentes a clamar por seus amigos assassinados.
Em entrevista, Alípio Freire, também ex-preso político, disse que a manifestação é importante, principalmente, para os mais jovens, pois como eles não viveram naquela época, os depoimentos das pessoas presentes dão outro olhar sobre o que foi a ditadura no Brasil.
No domingo, (08/03), a Folha publicou que foi um erro utilizar o termo “ditabranda” para se referir à ditadura brasileira: “O termo tem uma conotação leviana que não se presta à gravidade do assunto”. O texto, escrito por Otavio Frias Filho, assume que a resposta aos professores Fábio Comparato e Maria Victória Benevides foi ríspida, porém, motivada pela insinuação de que os responsáveis pelo editorial deveriam se ajoelhar e pedir perdão em praça pública.
A expressão equivocada do editorial serviu para demonstrar que as atrocidades praticadas pela ditadura ainda estão vivas na memória de muita gente, inclusive o papel da Folha de S. Paulo naquele período.
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Thaís Sabino é estudante de Jornalismo.